A Arte é uma Necessidade Vital

Artistas por excelência, o povo grego com sua fecunda criatividade consagrou dois deuses como patronos das artes, Apolo e Dioniso. Apolo é o deus da música e da poesia. O culto a Apolo era ordenado por uma dança organizada com ritmo e passos marcados. Era exaltada a serenidade, a altivez, a força, a autarquia e disciplina para o cotidiano, ele é o deus das profecias e oráculos que nos auxilia a encarar o destino com serenidade.
Das mais antigas festas dedicadas ao deus Dioniso, estão as Antestérias, festa que simbolizava o ciclo das estações, do estéril inverno à florescente primavera. Era a festa sagrada do vinho na qual seus participantes se embriagavam, cantavam e dançavam freneticamente, em êxtase eram possuídos pela loucura sagrada (manía), entusiasmados realizavam as orgias ou as práticas ritualísticas.
A partir do séc V a. C surge as Dionisíacas Urbanas ou Grandes Dionisíacas. Nessas festividades ocorreram as primeiras apresentações das tragédias com a concessão do Estado. Desde então uma expressão artística estruturada fica mais clara, a junção entre a organização apolínea e o êxtase dionisíaco. Nas Dionisíacas Urbanas acontecia o concurso de coros ditirâmbicos que passam a um gênero literário com trechos líricos cantados. Os concursos admitiam três poetas trágicos que apresentavam sua tetralogia, três tragédias e um drama satírico.
No âmbito coletivo, as apresentações teatrais eram fundamentais na Atenas de Péricles (um dos líderes populares mais carismáticos da época democrática grega) especialmente para a formação cultural e para a cidadania. Nesse sentido foi criado um subsídio para que o povo tivesse entrada gratuita no teatro. O efeito desse benefício foi a popularidade e a tão aclamada fama dos tragediógrafos. Eles eram apreciados e suas histórias eram muito conhecidas. A comédia era de suma importância nessa formação, a garantia de liberdade para criticar, a representante da tão desejada “liberdade de expressão”.
Nas primeiras formas de culto ao deus Dioniso, havia o propósito de um êxtase comunitário, uma prática de afastamento dos afazeres cotidianos. Como arte cênica, a catarse, ou a purificação do espírito era apontada como finalidade. O retorno feito aos gregos nesse texto tem um bom motivo. Mostrar o quão essencial é a arte em nossas vidas, tanto pessoal quanto coletiva. Através das criações artísticas conseguimos escapulir do caráter que tudo quanto nos rodeia tem, o de ser-nos imposto, queiramos ou não é isso o que chamamos “realidade”. Permanecemos fadados ao calabouço da realidade. Por isso a vida é tão séria, tão grave, quero dizer, nos pesa a responsabilidade inalienável. E por que tanto queremos escapar de nossa realidade? Porque estamos atados às categorias de tempo-espaço. Certamente devido ao cansaço das nossas sérias obrigações, necessitamos de linhas de fuga, com a finalidade de suspender nossos afazeres e nos movermos ao mundo da imaginação sem que nossos corpos percam suas funções vitais. Através das artes podemos coisas que muitas vezes nos são impossíveis na vida, é um lugar onde podemos viver o fantasmagórico, o irreal, que permite que escapemos, evadindo para esse mundo metafórico, pois através da metáfora é possível que uma coisa seja outra.
Nossas criações artísticas permitem vivenciarmos o que desejarmos, os séculos passados, os vindouros, o drama e o pós-dramático, jogamos e compactuamos nas artes para criarmos mundos outros. O jogo em que nada é definitivo. Podemos brincar com nossa onipotência-impotência perante a finitude tão peculiar à nossa existência.
Com o advento dos meios de comunicação de massa, o cinema, a música, o teatro, a dança, foram agregados pela indústria do entretenimento e ganharam uma expansão planetária. Inúmeras críticas são feitas à indústria do entretenimento, e com razão essas críticas tem fundamento. Entretanto, a questão central aqui é deixar claro a importância da arte e dos artistas na história da humanidade. Além do que, como indústria, o entretenimento é responsável pela geração de incontáveis postos de trabalho que sustentam um sem-número de trabalhadores e suas famílias. Dentro da vasta área das artes cênicas são múltiplas as funções que podem ser exercidas, para citar algumas: direção, dramaturgia, confecção de figurinos, produção, cenografia, maquiagem e dublagem.
O biênio em que a pandemia provocou o isolamento social, revelou que a situação teria sido insustentável sem a companhia de um bom filme, de um livro instigante ou de nossas músicas favoritas. A catástrofe que assolou o mundo provou a importância da cultura para a humanidade. A democracia tem como fonte matricial a experiência grega na Antiguidade, e tanto pode como deve se espelhar naquilo que esse modelo governamental nos legou, o cuidado, a valorização e o incentivo à arte e aos artistas. No Brasil, o retorno do ministério da Cultura será a prova viva de que um verdadeiro governo democrático entende a cultura artística como fundamental tanto quanto as ciências e a economia, porque definitivamente a arte é uma necessidade vital.

 

Andrea Maria Mello é graduada e mestra em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), doutora em Filosofia pela PUC/RJ na área de Ética e Política. Integrante da equipe de pesquisadores da GLOBAL CUEG -Cátedra UNESCO de Estudos Globais. Investigadora associada na CIDH-Cátedra Infante Dom Henrique para os Estudos Insulares e a Globalização Universidade Aberta/CLEPUL (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa). Realizadora do Projeto Orientação Educacional Afetiva que auxilia graduandas (os), mestrandas (os) doutorandas (os) em diversas áreas do saber, com dificuldades em organizar pensamentos e afetos, a fim de concluir trabalhos acadêmicos e/ou publicações diversas. Professora independente no curso Cinema e Utopia, autora da peça teatral Coisas sobre as quais não vamos falar (no prelo –Editora AVA –2022) e do livro Filosofia Pública –o cuidado político (no prelo –Editora APPRIS –2023)

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